São Carlos, 27 de novembro de 2020
Ao Secretário de Esportes e Cultura e o CEMAC
Prezados,
Assim como em todo país, em nossa cidade artistas, trabalhadoras(es), grupos e organizações do setor cultural foram tremendamente prejudicados durante o período da pandemia. A Lei Aldir Blanc, portanto, se tornou um importante caminho para reduzir as dificuldades, promover o reconhecimento e gerar trabalho para estas(es) trabalhadoras(es).
Aqui em São Carlos, como já é de vosso conhecimento, o setor cultural está se organizando de maneira virtual e acompanhando os encaminhamentos junto ao poder público. Nesse sentido, está sendo construído o Fórum público de Cultura, espaço de organização da sociedade civil deste setor que poderá fortalecer nossa articulação. Reconhecemos a importância deste diálogo entre sociedade civil e poder público para a construção desta política pública e para a construção dos decretos e editais que foram lançados. Houve muito trabalho para isto e seguimos no aguardo para o encaminhamento das próximas etapas.
Com o lançamento dos editais referentes ao Inciso III da Lei Aldir Blanc, nós da sociedade civil temos pautado nos últimos dias uma situação que se refere a uma dificuldade que as associações culturais sem fins lucrativos enfrentaram no momento de suas inscrições nos dois editais. A dificuldade encontra-se no fato de os representantes legais de pessoas jurídicas (de organizações coletivas) estarem impossibilitadas de pleitear recursos em alíneas diferentes de cada edital, isto é, pleitear o recurso individual como trabalhador(a) da cultura e também representando o coletivo do(a) qual faz parte.
Apesar de compreendermos a importância de não se acumular recursos no mesmo edital, enfatizamos que no caso de Associações Sem Fins Lucrativos essa prerrogativa não se encaixa, já que as Associações diferem-se em diversos aspectos de outras pessoas jurídicas, como as empresas. Isso porque, segundo as leis que as regem, as (os) representantes são impossibilitadas(os) de receber qualquer pagamento por prestar o serviço no corpo gestor da entidade. Diferentemente de empresas como escolas ou bandas, por exemplo, que podem remunerar seus gestores sem que isso descumpra a lei. Ademais, é respaldado pelo código civil de que a pessoa jurídica, de caráter coletivo, não deve ser confundida com as pessoas físicas que a compõem, destacando-se também que as decisões não são tomadas somente por seu representante legal e sim em coletivo.
Deste modo, como foi destacado, caso uma Associação seja contemplada em determinado edital, este recurso jamais poderá ser destinado ao seu representante legal e sim ao objeto social da associação, como pode ser visualizado na LEI No 9.790, DE 23 DE MARÇO DE 1999, que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, em seu parágrafo primeiro do artigo primeiro:
Art. 1º...
§ 1o Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social (BRASIL, 1999).
E ainda no Código Civil, LEI N o 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002:
CAPÍTULO I - DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 48. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se tomarão pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso.
(...)
Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.
(...)
CAPÍTULO II - DAS ASSOCIAÇÕES
Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos (BRASIL, 2002).
Ou seja, a associação é uma pessoa jurídica de direito privado que tem por objetivo a realização de atividades culturais, sociais, religiosas, recreativas, etc., sem fins lucrativos, ou seja, não visam lucros e são dotadas de personalidade distinta de seus componentes.
Com a aquisição da personalidade jurídica, a associação passa a ser sujeito de direitos e obrigações. Em decorrência, cada um dos associados constituirá uma individualidade e a associação uma outra, tendo cada um seus bens, direitos e obrigações.
Portanto, associação e seus associados, mesmo que seja o seu representante legal, constituem pessoalidades diferentes, e assim, o recurso que uma associação recebe por sua trajetória ou fomento, será usado para cumprir seu objeto social como realização de atividades de fomento apresentadas nos editais específicos a estes fins. Deste modo, enfatiza-se que não configura-se recebimento cumulativo caso seu representante legal se inscreva no mesmo edital e também seja contemplado.
Inclusive, vale destacar, no que se vale ao Inciso III na Lei Aldir Blanc nº 14.017 e no decreto nº 10.464 que a regulamenta, não há referência sobre o acúmulo de recursos pelos representantes das organizações, e sim por beneficiários. E como já argumentado anteriormente, pessoa jurídica (de caráter coletivo) e pessoa física não são os mesmos beneficiários pelo recurso. Essa questão é colocada na Lei somente para o Inciso II, caso a pessoa represente mais de um espaço cultural.
Diante de todas considerações e leis apresentadas, viemos encarecidamente por meio desta carta solicitar que essa situação dentro dos editais seja revista para que tanto as associações sem fins lucrativos possam ser contempladas pelo trabalho coletivo que exercem, quanto seus representantes legais possam receber por seu trabalho pessoal no setor cultural. Para isso, propõe-se que as inscrições tanto das associações como de seus representantes legais sejam consideradas e, no caso de serem contempladas, que os proponentes individuais e as associações possam acessar os recursos previstos em cada edital.
Propõe-se também que sejam abertos novos chamamentos públicos para utilização dos recursos remanescentes das primeiras chamadas, podendo assim contemplar inscrições de associações e representantes que não se inscreveram pela impossibilidade dada pelos editais. E ainda, que os recursos remanescentes possam contemplar também outros agentes e espaços que não conseguiram realizar suas inscrições, seja pelo curto tempo de inscrição, seja pelas dificuldades no uso das ferramentas para inscrição, ou qualquer outro motivo, reforçando o princípio da universalização do acesso ao recurso.
E entendendo que esta lei não resolverá dificuldades históricas do setor cultural, propomos também que seja realizada uma reunião aberta entre a administração municipal e as associações culturais do município para discutir sobre ações para um programa amplo e continuado de apoio estrutural para estas.
Por ser um momento de crise o qual todos nós estamos enfrentando e o pouco tempo para execução do recurso, reiteramos os avanços alcançados para o setor cultural na cidade, e também reconhecemos as falhas ao longo do processo. Sendo assim, justamente por esse momento de crise e pelo recurso da Lei Aldir Blanc ter em seu princípio norteador o caráter emergencial e de amplo acesso, pedimos a reciprocidade de compreensão e consideração por parte do município a esse setor cultural que está sendo prejudicado pela pandemia, que mesmo com certa abertura dos serviços, ainda assim não consegue realizar seus trabalhos.
Devido ao curto prazo que há para a execução do recurso, solicitamos um retorno o mais breve possível acerca da situação apresentada.
Atenciosamente,
Assinam esta carta abaixo:
Pedro Henrique de Oliveira Zanette
Vivian Parreira da Silva
Fernanda Graña Kraft
TEIA - Casa de Criação
Instituto Florada
Felipe Cortez
Andréia Braga
Francisco Simões
Iratã Lisboa Rocha Campos
Trupe Topatu
Fabio Ekman Simões
Tora Tambores
Manu de Souza
Grupo Girafulô
Acrodança São Carlos
Associação Cultural Rochedo de Ouro
Miguel Angel Alcausa Cossio
Sarah Foch Nalle
Márcio Antônio Antunes Da Silva
João Carlos Cassiano
CNPDAB AFRO
Lívia Aceto
Retalho Coletivo
Grupo Corpo e Palco
Ana Luiza Bruno
Dani Busatto
Diogo Marques Tafuri
Mariana Machitte de Freitas
Iasha Salerno
Murilo Barbosa
Tainá Reis
Ketlyn Gleice Santana Bonora
Andrey Roberto Carneiro
Lara Rosa Cobucci
Nádia Regina Stevanato
Alexandre Bueno
Raul Celistrino Teixeira
Pedro Fajardo
Patrícia Christina Marques Castilho
Ana Paula de Bribean Guerra
Anderson de Oliveira Rufino
Associação Cultural e Desportiva Pena de Ouro
Bianca Maria Habib Silva
Victor Cherubin Alves
Mateus Serrer
Pedro Massoni Sguerra
Grupo de Capoeira Angola Mãe
Lucas Tavares Ferreira
Alisson Alberto de Lima Medeiros
Mário Augusto Bezerra Menegatti
Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA - Sanca)
Carolina Laureto Hora
Mylene Corcci
Viviane Andrade Bandeira
Ana Carolina Garbuio
Luana Castelli
Lista Gnomo Hip Hop
Mania da gente - Grupo de pagode
Babá Zio
Grupo M A
Caminho dos Ventos - Grupo Afro .
Gabriel Rampone
Associação Cultural e Educacional Movimento Hip-Hop Senso Crítico
(ACEM2HSC)
Edicarlos Souza Neres
Bruno Scivoletto
Raphael Pereira Moreno Bruna de Moraes Tiberti
Rosana Aparecida Moreira da Silva Paranhos
Fabiano Nunes E Silva
Carolina Stella Gonçalves
Giovani Bogas
Coletivo Amarrilha Mariana Coletto Correa
Marcela Borges de Alencar
Trupe Uaah
Jonatan Lourenço Tadeu Sampaio
Associação Instituto Cultural Janela Aberta
Washington Pastore Amaro
André Aukar Britschy de Camargo
Renata Bovo Peres
Eduardo Araújo Silva
Maíra Martins da Silva
Vivian Cristina Davies Sobral Nascimento
Alan Caldas
Gustavo Spineli Koshikumo
Victor Failla
Jackson Martins dos Santos
Grupo de Capoeira Ginga Pinhal
Ricardo Rodrigues
José Maria Martins Góes
Ana Magda de Oliveira Sakadauskas
Djalma Nery
Rafael Zafalon
Companhia de Santos Reis Estrela Guia
André Arthur da Silva
Flávia Torunsky
Associação de Amigos São Pedro Julião Eymard
Marco Antônio Paranhos
Giovanna Paranhos
Amanda Saba Ruggiero
Mariana Navarro
Luana Fernanda Elias da Silva
Referências:
BRASIL, 1999. LEI No 9.790, DE 23 DE MARÇO DE 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências, acessado em 24 de novembro de 2020 pelo link: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9790.htm>
_______, 2002. LEI N o 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Institui o Código Civil, acessado em 24 de novembro de 2020 pelo link: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>
_______, 2020. LEI Nº 14.017, DE 29 DE JUNHO DE 2020. Dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, acessado em 24 de novembro de 2020 pelo link: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14017.htm
_______, 2020. DECRETO Nº 10.464, DE 17 DE AGOSTO DE 2020. Regulamenta a Lei nº 14.017, de 29 de junho de 2020, que dispõe sobre as ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, acessado em 24 de novembro de 2020 pelo link: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/d10464.htm
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